Encontros e Desencontros

Em SP, o piso dos ônibus novos é azul com GLITTER (na foto, o pé do Joe)
Não fico mais incomodada ao andar de ônibus em São Paulo, porque esse tempo /um absurdo, convenhamos/ pode ser legal, se bem usado: ler, dormir, descobrir a cidade, ter idéias, meditar (isso mesmo! não se medita apenas em lugares silenciosos e assépticos, experiência forte é entrar em alfa em pleno caos da metrópole), praticar a gentileza, ajudar o próximo, observar o próximo, ouvir o próximo... são algumas opções.

Mas confesso: tem dias que sento nos bancos individuais ou torço pra ninguém sentar do meu lado... Estranho? É, mas não acontece só comigo, até porque fui vítima duma situação bem radical.
Outra noite, peguei um ônibus pro centro, passei a roleta e fui direto pro único lugar vago, onde uma senhora chinesa (coreana ou japonesa, enfim...) apoiava sacolas no colo e estendia o braço direito sobre o banco vazio... Sentei.
Ela continuou imóvel... parecia não entender que o banco era duplo. Pior, não me via.
Pedi que retirasse o braço. Nenhum resultado. Talvez ela não entendesse a minha língua, porque os orientais, em São Paulo, falam suas línguas de origem...
Só que a linguagem corporal é universal e minha conclusão foi que a mulher era mal educada e arrogante, mesmo!
Sentei na ponta do banco até vagar outro lugar. Momentos cons-tran-ge-do-res!

Outro dia, meu ouvido se espichou até o lado oposto do corredor, pra ouvir uma mulher desejar sucesso a outra e falar de zodíaco, tarô e outras coisas místicas.
De repente, a voz aumentou pra dizer que era bruxa!
Então olhei, depois de mapear a mulher pelo reflexo da janela.
Não achei absurda a revelação, queria apenas identificar que tipo de bruxa era ela, o que na sua aparência podia justificar o fato... E qual sua intenção em revelar tal ‘intimidade’ num ônibus!?
A bruxa era simples, tinha um corpo forte, sem ser gorda, cabelos escuros, lisos, longos até os ombros e um rosto grande, sem maquiagem, com olhos que “tentavam” ser penetrantes. Quando a senhora agraciada pelas boas palavras, desceu, percebi que a bruxa olhou pra mim. Pudera, eu era a única criatura naquela parte do ônibus.
Ficamos conectadas, uma cuidando a outra, discretamente. Acho que ela investigava minhas tattoos egípcias...
Quando desci, na Duque de Caxias, vi a bruxa me encarar uma última x pela janela do ônibus. brrrrrhh! um arrepio.
Pronto, já passou!

Mas surpresas boas também acontecem.
Por exemplo, no longo trajeto do terminal Santo Amaro ao terminal Princesa Isabel, sentei num banquinho único. Voltava de uma entrevista, tipo Programa Roda Vida pra seleção de Mestrado e não queria muito papo.
Mais adiante, duas meninas sentaram na minha frente. E um desenho de ‘salinha’ se configurou - uma, sentada de frente pra duas.
As meninas comentavam a atuação de apresentadores dos programas de tevê, que impressões suas vozes (timbres), atitudes e posturas causavam nos telespectadores.
A conversa me interessou, mas não queria ser invasiva, jurei pra mim, que não ia interferir e 'finquei' o olho na paisagem em movimento (se é que isso é possível).
As meninas procuravam mais nomes em voz alta... uma delas rabiscava as observações.
Eu já estava com a bunda dura de viajar e ainda faltava muuuito pra descer... Resolvi participar. Lembrei da Siri - Irislene Stefaneli, como um exemplo grotesco, que estreava como apresentadora na Rede TV, naquela semana e da Penélope, com diversos programas na MTV, como exemplo de sucesso, mesmo com uma entonação peculiar, que passa do agudo estridente ao grave sedutor. As meninas, aprovaram as minhas escolhas e que beleza, imediatamente ficamos amigas.
Continuamos a comentar os programas de tevê, as celebridades, até chegar ao presidente Lula. Elas trabalhavam com fonoaudiologia, técnica vocal e possibilidades de melhorar a voz, a fala e suas aplicações no trabalho.

Quando uma delas desceu, esgotamos esse assunto e engatamos muitos outros: viemos do sul (PoA e Curitiba), comentamos sobre nossos trabalhos e estilos de vida. Sobre formalismos e descolamentos, tipos de roupas e cabelos que 'precisam' ser usados e roupas e cabelos que se quer usar... sobre Alexandre Herchcovitch e as roupas de cortes perfeitos, as liquidações, as pessoas conhecidas e os circuitos que fazemos na cidade. Sobre Artes plásticas, galerias de arte e bandas.... Pronto, chegamos ao rock e à vida dos (e com) rockstars (rs).

Já quase no centro, entreguei um cartão, pra continuarmos a conversa e trocarmos informações sobre esses e outros assuntos. Realmente acreditei que nos veríamos em breve, na abertura da exposição do Vik Muniz na Galeria Fortes Vilaça.
São Paulo pode ser um local de encontros, mas também um buraco negro, onde tudo se perde.
Assim, nem eu, nem minha nova amiga fomos ao evento!
Como eu soube?
Ela mandou um email, que eu ainda não respondi. E olha que já passei no Mestrado, fui a Porto Alegre e voltei... A exposição do Vik já encerrou e outra já entrou no lugar.