Olhar de Lynch

Outro dia, um casal que fazia um lanche no balcão de uma padaria, no centro de São Paulo, me chamou atenção.
Ela tinha idade imprecisa, cabelos ondulados até os ombros e amarelados por químicos baratos.
O tom exato? - Caramelo.
Vestia uma jaqueta de nylon acolchoado em duas cores: salmão, como base e rosa sobre o peito.
Por debaixo, uma camisetinha colada, pink e decote em V deixava à mostra uma corrente dourada fininha com pingente vermelho que se acomodava entre os seios.
Não usava maquiagem, mas um nariz longo e forte se projetava sobre a boca pequena e sem lábios, fazendo uma sombra.
Na mão direita, uma aliança dourada brilhava toda vez que cortava a pizza.
Ele se apoiava sobre o balcão com os braços cruzados e girava a cabeça para os lados à procura de sabe-se lá o quê... Usava uma t-shirt manga longa, bicolor em branco e azul.
Seus cabelos eram grossos e curtos. Tinha a pele acinzentada e procedência étnica indefinida.
Uma mancha marrom texturada cobria a ponta do seu nariz e lhe conferia um ar circense, enfatizado pelas vídeo-cassetadas do Faustão que passavam, atrás deles, numa tevê de tela plana.
Eu continuava interessada neles e só desviava o olhar quando me fitavam.
Adoraria tê-los fotografado, mas, neste caso achei invasivo, preferi olhar e guardar os detalhes na mente ou na retina para depois escrever.
Quando o lanche chegou, me concentrei na comida, mas pensei que aquela mulher era a versão tupiniquim da Laura Dern ou da Sarah Jessica Parker e se eu fosse David Lynch escolheria a dupla para fazer o papel deles mesmos.
Comi e esqueci dos dois, quando levantei os olhos, eles não estavam mais lá.