Armênia - meu Deus, acho que cruzei um portal!

Voltei a caminhar pela cidade.
A gripe (alergia respiratória!?) havia me deixado preguiçosa e caseira.
Resolvi economizar uns passes de ônibus e cumprí parte dos meus compromissos à pé.
Segui pro centro antigo pela Barão de Limeira, em linha reta, cheguei na Av. São João.
Eu precisava renovar minha 'bolsa parcial' na Universidade e o Campos Central fica na Líbero Badaró - rua onde se concentram os prédios mais incríveis da cidade!
Não resisti a paradinhas para fotografar a fachada da Galeria do Rock. É que estou fazendo um trabalho sobre os espaços ocupados por pessoas que se vestem mais ou menos iguais, como rockers, emos, góticos, rappers e outros estilos de vida aglutinadores.
Descendo um pouquinho, cliquei a arquitetura secular, no entorno do Vale do Anhangabaú. Acho que não vou cansar nunca de fotografar o prédio do Banespa 'colado' ao Martinelli.
Da faculdade, segui para um prédio da Prefeitura ao lado de outro edifício legal, a Galeria Prestes Maia. Precisava entregar os documentos para fazer o CCM - cadastro de profissional autônoma na cidade. Traduzindo: registro para pagar impostos trimestrais ao governo, mesmo quando não estiver trabalhando.
Mas a subSecretaria do Centro não era lá.
O lugar mais próximo ficava na Av. dos Estados, na Estação Armênia do metrô.
Gostei da idéia de ir prum canto da cidade que não conhecia. E pensei: Armênia pode ser um lugar bacana, quem sabe eu não encontro um novo Jardim do Éden! (rs) ou a arca de Noé ancorada?
Peguei o metrô.
Ao chegar, avistei uma via expressa com fluxo de veículos de carga pesada, às margens de um rio podre, o Tamanduateí.
Ao redor, lugares não-lugares: um terminal de ônibus metropolitano, cruzamentos com outras avenidas em reforma, posto de gasolina, prédios-depósitos em pontos esparsos e muitas construções baixas.
Um lugar sem carisma, o oposto de um Jardim (do Éden).
O que a(r)menizava um pouco a paisagem era a extensão de céu que se fazia visível.
Me perguntei o que estava fazendo ali? Porque tinha que entregar o xerox do meu RG e Cpf naquela região?
Por indicação de uma mulher, fui para um lado da Avenida, mas a numeração aumentava.
Segui pro outro lado e ensaiei um olhar indiferente, movimentos descolados para não parecer uma estranha na região, uma presa fácil.
Resolvi pedir ajuda para um guarda no terminal de ônibus, que falou:
- Segue reto, passa dois faróls e a Subprefeitura fica do lado do posto de Gasolina.
Ok, agora a informação estava correta.
Na 'repartição' peguei uma senha.
Sentadas na entrada, umas quatro pessoas conversavam sobre candidaturas a câmara de vereadores. Aquele era mais um lugar/não-lugar de Augè.
Um único homem, com biotipo boliviano, era atendido.
Não demorou muito e um funcionário jovem abriu um outro terminal. Displicentemente, jogou a cabeça para trás para ver o último número no placar de senhas e digitou o meu.
Entreguei os documentos e falei que havia feito um cadastro on-line.
Ele olhou os papéis e perguntou se eu tinha alguma dúvida.
Comecei a perguntar sobre as taxas que seriam cobradas (já que em Porto Alegre sou isenta), também queria saber quando receberia o número definitivo... e segui com outros blá, blá, blás.
A cada pergunta, o menino digitava algo no computador e reclamava da lentidão do sistema. Como ia demorar, virou o monitor pra mim e mostrou como os traçinhos verdes de carregamento da página mal se moviam...
Acredito que neste momento um 'portal' se abriu e coisas non-sense começaram a acontecer:
No começo fiquei 'sem saco' para conversas, mas depois achei que tinha a 'missão' de deixar aquele dia melhor, pra mim e pro funcionário.
Sério, não é pra rir.
Enquanto esperávamos a materialização da informação, o menino apontou para uma borboleta preta e amarela que voada dentro do lugar.
Eu fiquei com pena do bichinho.
O menino também. Levantou e abriu uma janela atrás dele, mas a borboleta foi em direção a um ventilador de teto dinossáurico.
Fiquei com medo que ela fosse triturada, mas como o ventilador era velho, acho que só fez cosquinhas!
A borboleta voltou pro nosso lado e pousou no corrimão, atrás de mim. Tentei pegá-la, mas escapou.
E a infomação que eu precisava ainda não estava na tela.
O menino falou o que as pessoas comentam sobre o tempo: que está diferente, parece menor.
[...e eu alí...]
E passou a refletir sobre o que uma borboleta pensaria disso.
Que sensação de tempo ela teria?
Eu falei que uma borboleta vive pouco tempo, alguns dias, apenas.
Ele queria saber se a borboleta tinha compreensão do tempo de vida dela. [ ???? ]
Lembrou que passa mais tempo no casulo e ali sofre uma transformação radical...
Falei que com o homem também é assim e citei as transformações que acontecem da infância à velhice: o desenvolvimento dos órgãos, o crescimento dos ossos, as alterações hormonais na adolescência, no envelhecimento...
(ihh! esqueci de falar do período intra-uterino)
O menino se convenceu que nós passamos por alterações tão violentas como as da borboleta. Emendou que gostaria de saber desenhar, mas que achava muito difícil.
Respondi que o segredo estava em observar as coisas e treinar bastante, para fazer a mão acompanhar o pensamento e o que se está vendo.
Ele concordou, exemplicando com os atletas que treinam muito para se superar.
Continuei dizendo que desenhar é como ler e escrever, se a gente pára, fica naquele estágio... E tem que partir dalí. Ele havia parado de estudar e agora que voltou, estava sentindo muita dificuldade para entender algumas coisas.
Não sei por que, falei de lazer e o funcionário municipal comentou que gostaria de viver de lazer, não queria ter que trabalhar.
Mudamos o assunto para ETs.
(a essa altura, eu não sabia quem era o mais freak, o menino com seu 'papo cabeça', ou eu que dava corda...)
Concordamos que existem muitas galáxias e que é impossível não existir outros tipos de vida.
Ele me perguntou: - Será que os Ets conseguem vir até aqui?
Contou que era de Tabatinga, interior de São Paulo [numa pesquisa rápida, descobri que sua cidade é considerada a ex-Princesinha da Laranja e hoje, a capital dos Bichos de Pelúcia...!) e quando pequeno, tinha um livro que descrevia casos estranhos, relatava visões, abduções e ele morria de medo, pois tem medo de coisas que não pode ver.
Perguntei se não tinha medo de humanos? Ele desconversou.
Nesse meio tempo, algumas informações apareceram... depois o sistema caiu e ele teve que reiniciar tudo: colocar seus códigos, suas senhas, digitar o endereço de arquivo, meus dados, etc.
A borboleta preta e amarela voltou e pousou perto de mim.
Levantei, calmamente, e a peguei pelas asas. Atravessei todo o ambiente e a larguei na rua...
Ainda penso se fiz a coisa certa.
Apesar do gás carbônico quase sólido da via-expressa, do rio podre e do posto de gasolina ao lado, haviam algumas árvores de troncos e galhos finos na entrada do lugar.
O menino ficou feliz com o resgate!
A situaçào era bizarra, mas eu tinha que convir que aquele menino era sensível, tinha boa vontade, queria conversar e os assuntos não eram tãaao desconexos assim... faziam algum sentido. Pense bem, começar a conversa com a lentidão do computador, emendar com a sensação do aceleração do tempo, depois partir para reflexões sobre o tempo de espera da borboleta, enquanto larva e o que ela pode pensar de sua vida breve? (!)
Sem querer, aquele foi um momento de filosofia pura.
Já sobre seu trabalho, era engraçado, ele não me explicava nada, mas perguntava o tempo todo se eu tinha alguma dúvida.

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Questionei a parte da notificação para pagamento das taxas trimestrais, vir em julho e insisti em saber quando receberia o número de cadastro definitivo.
Só aí o menino se mexeu, me deu um comprovante de entrega dos documentos e uma impressão com o número que precisava. E perguntou: - Então, tem mais alguma dúvida?
[pensei... Claro que não, né?]
Saí rapidinho e sem olhar pra trás. (vai que tudo aquilo era um episódio do seriado Twilight Zone...)
Já na rua comecei a rir, estava com uma sensação de dever cumprido e de volta a minha realidade, ufa. ;D