E às memórias...

Aos seven years..., eu adorava varrer o chão do jardim da nossa casa.
No outono, separava as folhas secas da areia e queria poder fazer o mesmo com as nuvens no céu.
Lembro de esperar ansiosamente pela primavera, quando ao redor da casa, floresciam flores roxas, lilases e brancas.
No meio do pátio, as ervas daninhas (mato) nasciam e desorganizavam tudo. Isso me incomodava, porque eram maiores do que eu e cresciam juntas. Mas na base, eu sempre encontrava pequenas flores azuis e ninhos de cupim.
Ficava impressionada como trechos de grama nasciam e renasciam em meio às pedras do caminho.
Vez ou outra, pensava em arrumar as madeiras carcomidas da cerca na varanda, mas sabia que sozinha, não ia conseguir.
Abria ao meio lagartas verdes para ver se escorria de dentro, sangue vermelho, mas fiquei em choque quando soube que meu gatinho (vermelho) angorá, encontrado na rua, havia sido trucidado pelo nosso cão policial, enquanto eu estava de férias :(
Vestia minha irmã com uma tee listrada e com um cinto, puxava bem até virar um mini-vestido. Depois, a adornada com jóias de strass, colocados em lugares não usuais, por exempo, a cabeça... A fazia subir num saltão da minha mãe e voilá, estava pronta minha primeira produção, para clic do meu pai.
No natal, lembro de me ajoelhar, juntar as mãozinhas e pedir pooor favooor, para minha mãe me comprar um violão.
Ganhei e comecei as aulas no ano seguinte.
Numa manhã de 1968, eu e minha avó sacudíamos as cobertas e arrumávamos as camas do quarto coletivo.
No ambiente havia uma cama de casal, um armário com design anos 40, um berço de pernas altas e uma cama infantil com grades laterais - um patchwork de móveis que se encaixavam com dificuldade no espaço e impediam a circulação.
Por um momento, minha avó olhou pela janela e disse para eu olhar também.
Subi no berço de pernas altas e vi um homem andando no asfalto, próximo ao meio-fio, seguindo em direção ao sul.
Minha avó enfatizou para ‘olhar bem’.
Apesar da distância e da perspectiva infantil, gravei na memória, a imagem de um homem magro, alto e com a cabeça totalmente raspada (bem diferente das cabeças naqueles anos 60).
Ele vestia um uniforme sem forma definida, de tecido encorpado e formas frouxas, numa só cor: cinza. Modelagem e cor incomum também pra época.
Lembro destes detalhes porque gostava de desenhar bonecas (paper dolls) e modelos de roupas para várias ocasiões. Preferia o papel pardo das embalagens, para poder usar o lápis branco e criar cabelos e detalhes diferentes nas bonecas.
Assim, uma das minhas cores favoritas era o cinza.
Quando o homem ‘saiu de quadro’, não podia mais ser visto da janela, minha avó disse para ter muito cuidado, pois se tratava de um louco que deveria ter fugido do ‘São Pedro’ - o hospício ou hospital psiquiátrico que ficava no bairro.
A imagem do homem ‘descendo’ a avenida no meio do trânsito é uma imagem (clichê) do desvio, da aventura, do andar fora da linha!

Pensando bem, foi nesse período, sozinha entre as plantas, tentando organizar o espaço e vendo a desordem crescer mais do que eu... e entre outros devaneios que tive noções fundamentais de território e desterritorialização.

Hoje, pesquiso tudo isso e acho que meu jardim era inglês..., talvez até Deleuziano.
Entre outras coisas, costumo andar pela rua, rente ao meio-fio e na contramão pela Vila Mariana (até porque, as calçadas são estreitas e as pessoas andam em bandos).
Canto ao vento minha música favorita (+ Deleuze & Guattari em O Ritornelo) imitando os falsetes de Britt Daniel.
Acho que ainda sou esta menina que com ou sem erros, optou por ser errante, mesmo que seja só na mente.