Magic Bus

Outro dia, num ponto de ônibus, no centro de São Paulo, raspei o número do cartão de recarga do celular, fiz os procedimentos e a ligação caiu 3x. Liguei pra operadora, esperei a mensagem e a musiquinha passarem, perguntei se eles estavam enfrentando algum problema de comunicação, aguardei a resposta e os procedimentos finais. Só então, o ônibus chegou.
Todo povo que esperava se acotovelou e conseguiu entrar. O trânsito, à frente, parecia tranquilo.
Até chegar na roleta, fui amalgamada por dois jovens altos e gordos que falavam, por cima de mim, de um novo epísodio de seriado na tevê paga. Era algo como os enfermeiros..., seria Hospital Central?
Quando encostei meu cartão no controle eletrônico, encontrei o olhar de um homem sentado do lado de lá da roleta. Por entre as muitas pernas, vi as suas panturrilhas grossas, peludas e repletas de tattoos. Os braços também eram riscados e ele me lembrava um motoqueiro dos anos 70, um vicking ou um lenhador de Seattle com pouco cabelo, mas os que tinha eram vermelhos.
Consegui me ajeitar de pé, no cantinho onde ficam os bancos dobráveis. Não o usei, porque são muito baixos, mas me encostei parte nele, parte na janela.
No meu lado direito, quase em frente à porta de saída, um homem de óculos escuros e headfone branco se agarrava à barra vertical e assim ficou, sem mexer uma parte do corpo, o caminho inteiro. Parecia cego, mas vai saber.
Nos acentos altos do fundo do ônibus uma menina empunhava um livro sobre a face, era 'A cabana'.
Nesse momento, começaram meus dejavus.
Estou estudando Arquitetura móvel e a fixação que esta disciplina tem pela cabana.
[ao lembrar disso, abri um sorriso de canto de boca].
No entanto, em pesquisa rápida pelo google, vi que 'A cabana' nada tem a ver com arquitetura, mas se trata de uma ficção que envolve morte e religião.
Depois de dar o sinal pra descer, um homem baixo, estrutura grande, careca, mas bigode e cavanhaque, usando óculos com haste de tartaruga e metal dourado, anos 80 e vestindo uma camiseta de malha sintética, amanteigada, com duas listras azuis fininhas no peito, bem anos 70, calça moletom vermelha e uma pochete de couro cru, alaranjado pelo tempo, se posicionou entre as pessoas e se sacodiu muito até o ônibus parar.
A minha frente, uma mulher de branco parecia meu negativo (eu estava de preto) e de tão perto, se transformava numa cerca. Atrás dela, outra mulher de pé, vestindo saia e blusa preta me observava, quando eu a olhava, ela desviava o olhar. Isso aconteceu mais de uma vez e, engraçado, dela eu não consigo lembrar o rosto.
[outro mover de lábios rápidos por conta dos contrastes em P&B].
No meu lado esquerdo, havia um homem com tee marrom e estampa jazzy. Num momento do trajeto, ele atendeu o celular dizendo que ia passar na Livraria Cultura.
Olhei na direção do vicking de Seattle, por entre 'a cerca', mas ele já não estava mais lá. Fiquei pensando, como não o vi descer!?...
Nesse momento, meus olhos foram atraídos pros monitores de tevê que mostravam uma variedade de gatinhos japoneses da sorte.
Acho que foi nessa hora que me senti parte de um filme de ficção. Algo como um Blade Runner tropical, já que o ônibus só transportava gente esquisita (e eu me incluo nisso) - todos nós parecíamos replicantes sendo transportados numa capsula.
Enquanto 'viajava' nessa imagem, o ônibus parou.
Olhei pra rua e não consegui ver onde estávamos, mas o homem que ia pra Livraria Cultura desceu e eu fui atrás. [mais um sorriso...], [e uma risada de gato da Alice, enquanto lembro e teclo com as unhas pintadas de 'Tóquio' um esmalte púrpura profundo]

*** MAGIC BUS é o nome de uma música da banda inglesa THE WHO.