Tricô, Crochê e seus ziguezagues expressivos

No meio dos 90´s, quando as tecnologias digitais começaram a modificar nosso cotidiano, além da automação associada à redução de empregos, ouvia-se falar do fim dos livros, das rádios, do desenho, da pintura, etc, etc, etc..., enfim, das atividades que dependessem da intervenção/produção manual do sujeito.
Desde lá, todos os setores passaram por mudanças significativas e muitas funções deixaram de existir, mas outras foram criadas e algumas apareceram atualizadas.

Assim, depois de 16 anos do boom tecnológico, pode-se dizer que as atividades manuais, artesanais ressurgiram super valorizadas [vide a pintura com a street art, o desenho para o design gráfico, etc...], elegantes e associadas a outras questões [que vamos combinar, são óbvias, intrínsecas à função, mas só agora, se destacam] para além da decoração e/ou da funcionalidade.

Em 2005, quando mudei para São Paulo, costumava atravessar o viaduto sobre a Av. 23 de maio, no bairro Paraíso.
Nesse lugar, nos finais de tarde, um jovem estendia seu pano no chão e oferecia acessórios feitos em crochê e tricô. Eram peças simples como: faixas de cabelo, echarpes, colares [um dia, me encantei com um colar de cordão encerado e pequenas bolas de crochê color stoned e o comprei], mas o que mais me intrigava era o fato do tricoteiro ser um menino, bem como sua compulsão pela função, já que não parava de trabalhar nem quando alguém se aproximava dos artigos. Naquele momento, eu não sabia que, desde os tempos antigos, os homens se encarregavam de tricotar e as mulheres de preparar o fio.

No mesmo período, uma amiga jornalista [compartilhando da mesma surpresa] comentou em seu blog que, um garoto sentou-se no ônibus ao seu lado e não tirou da mochila um livro, revista, ipod, pacote de salgadinhos [whatever]..., mas duas agulhas, um trecho de malha pronta e passou tricotando durante todo trajeto.

Entrelaçar os fios manuseando um, dois ou mais instrumentos ponteagudos, inclusive, sem o uso de agulhas, é técnica praticada por homens e mulheres [sim!] e muito antiga na criação de uma malha elástica. Existem registros, pelo menos, desde a antiguidade no Egito, Grécia, China e América do Sul.
Ao que tudo indica, no mito-drama-performance de Penélope que faz/desfaz/refaz uma malha, enquanto espera o marido Ulisses voltar da guerra, tricotar é uma ação estratégica, usada como pretexto com múltiplas funções: marcador de tempo, escudo protetor contra adversidades, prótese psicológica]. Dizem que os belgas [ah! esses belgas] disseminaram o knitting para outros países da Europa, Inglaterra e Irlanda.
Sobre a tradição da tricotagem em povos do norte, Vado Mesquita, mestrando em Design e integrante do grupo de estudos Ziguezague da Universidade Anhembi Morumbi, nos confidencia

“Eu tive uma parceira finlandesa por alguns anos e visitei aquele fantástico e sui generes país muitas vezes. Eles tem uma linda tradição de tricotagem. Talvez pelo clima tão inclemente e as muitas guerras e ocupações que sofreram, todas as pessoas tem pelo menos uma malha e/ou peça de roupa que pertenceu a um antepassado e que percorrem várias gerações até se desfazerem no tempo. Roupas carregam muitas significâncias por aquelas bandas.”

São muitos os pontos e, como vimos, muitos os modos de se fazer tricô. A seguir, veremos o ziguezague dos fios em madeira com pregos e com pinos:
A produção manual teve alguma alteração com a invenção da máquina de tricô caseira e virou negócio com a confecção em maquinário industrial.
No final dos 60´s e nos 70´s, as atividades manuais [entre elas, as técnicas de crochê e tricô] foram resgatadas e difundidas pelos hippies, cujo movimento deu start na cultura alternativa e artesanal, na customização e reuso de materiais [protoidéias do que mais tarde seria chamado de DIY – do it yourself, e adotado ao extremo pelos punks], em busca de liberdade, independência do sistema capitalista, de [mais adoração do que] respeito ao meio ambiente, bem como em resposta à crise do petróleo que ocorria naquele período e interferia, signitivamente, na produção têxtil.
[curiosidade: até hoje, o uso de uma tanga (beachwear) de crochê, por Gabeira em praia carioca, instiga a a imaginação das pessoas e funciona como ícone de ousadia e valores jovens dos 70´s].

Estas técnicas artesanais e sua estética, rapidamente, foram adotadas pela moda institucionalizada.

A Missoni – marca/empresa familiar italiana, com cinqüenta anos no mercado da moda, construiu sua personalidade e imagem neste período e conquistou sua posição de sucesso com a criação de uma malharia super colorida, sofisticada e de qualidade.
Missoni mohair vintage, 1970 [de: http://www.etsy.com/listing/35307634/vintage-missoni-1970s-knit-mohair-blend].
Missoni nos 80´s.

Missoni em recente parceria com Converse.

Missoni e ziguezagues, hoje.

Como já foi dito no começo deste post, em algumas décadas houve baixa do trabalho artesanal em favor das novas tecnologias. Mas como tudo que desce, sobe..., hoje, através da microcultura hipster, o valor e interesse por artefatos vintage e pelos artesanais vem sendo retomados e misturados aos itens de tecnologia de ponta. Na moda, quase todas as marcas, nacionais e internacionais, pontuam suas coleções com malhas, independente das estações.
Hussein Chalayan knit para revista iD smile 2011-07
Prada headbands.
A nova galera do design de moda tem se dedicado à criação artesanal e autoral em malharia. Aqui no sul, se destacam: Helga Kern que montou a Hola que Tal, com produção manual de peças, já desfiladas no DonnaFashion Iguatemi-Porto Alegre e desenvolvidas para a marca OEstúdio com desfile no FashionRio e Helen Rödel que agrega glamour e refinamento contemporâneo à criação de peças feitas em tricô e crochê manual. A marca participou, com a Ellus2nd Floor, do SPFW2010 e desfilou coleção no Dragão Fashion 2011. Veja AQUI um delicioso documentário criado por ela.

máscara Rödel para Ellus 2ndoor.
Éh, estamos vivendo um grande novo momento na produção artesanal e isso não diz respeito apenas ao tricô e crochê, tampouco é exclusividade do mundo da moda. Mas é impossível dar conta, aqui, da história destes saberes, bem como dos roteiros e pólos criadores no Brasil, América Latina e mundo, no entanto, vale comentar as novas demandas da prática do tricô e do crochê, que vem sendo usados como meio de expressão e forma de ativismo pelo povo da Arte. Nesse modo, a prática ganha outros nomes: graffiti knitting, guerrilla knitting e yarnbombing.

Impossível não lembrar do vídeo ´Já Vi Tudo´ da artista performer e poeta brasileira LENORA de BARROS, onde faz e desfaz um gorro de tricô, para tratar de questões do gênero feminino. Para mais informações sobre Lenora, acesse este link. Outra artista que vem causando estranhamento e furor com seus trabalhos é a polonesa Agata Oleksiak, que reside em Nova York. Mais conhecida como Olek, essa espécie de ´mulher aranha´ produz crochê para criar esculturas, intervenções e performances urbanas. Nada escapa da sua trama, seja corpos e/ou artefatos já existentes, como: bicicleta, telefone, árvore, vaca, mobiliário, paredes de casa..., o mundo inteiro! Acompanhe seu trabalho no site e blog.
foto de Diego de Godoy em Nova York.
Outras artistas também modificam, com seus crochês, a paisagem das grandes cidades. É o caso de Crystal Gregory em Nova York e de Juliana Santacruz Herrera em Paris. Veja matéria.

Vado Mesquita também colabora com outro rico link sobre o assunto:

Como se isso não bastasse, o tricô aparece renovado em divisórias, como a proposta da Prima Design em seu stand na feira Casa Brasil em Bento Gonçalves-RS. Veja matéria de Winnie Bastian.

. Como protagonista de eventos, pode-se destacar a tarde promovida pela Cartel em São Paulo:

A tricotagem como motivo para abertura de lugares pode ser conferida na matéria da revista TAM nas nuvens (edição setembro 2011), que aponta a Novelaria
no bairro mais ´arteiro´ de São Paulo, a Vila Madalena.
E, em Nova York:

Pra terminar, segundo meu analista, é justo nos anos 90, através das novas tecnologias, que se consegue fazer o rastreamento do cérebro e entender que estão no corpo caloso [faixa fibrosa], as fibras responsáveis pela troca de informações entre a parte esquerda e a direita do cérebro. Em geral, usamos apenas uma, mas na prática do tricô e do crochê, ao trabalharmos com as duas mãos, ao mesmo tempo, um ziguezague se estabelece em nosso cérebro e integra ambas as partes. [paradoxalmente, as novas tecnologias que apontavam o fim das atividades manuais, permitem descobrir que a prática artesanal do tricô e crochê (entre outras mais...) é capaz de fazer o nosso cérebro funcionar por inteiro. ;)]
Barba, cabeça e bigode de tricô:
eu, usando máscara de tricô contemporânea feita no Peru, um misto de Anonymous e das máscaras das ´diabladas´, encontradas em festas populares no altiplano de Latino América.